"Eleven: A Anatomia do Trauma" — Psicólogo analisa a jornada emocional e crescimento da heroína de Stranger Things às vésperas da última temporada
A aguardada última temporada de Stranger Things, que estreia em dezembro na Netflix, reacende o interesse em uma das personagens mais emblemáticas da cultura pop: Eleven. Mais do que uma adolescente com poderes sobrenaturais, a heroína representa um retrato complexo sobre trauma, privação e cura. É o que defende o psicólogo e pesquisador Dr. Manoel Acioli, que nos propõe uma leitura psicológica da jornada da personagem, interpretada brilhantemente pela atriz Millie Bobby Brown.
Para Acioli, “a jornada de Eleven é um espelho das dores humanas. Ela mostra o que acontece quando uma criança cresce privada de vínculos, afeto e liberdade — e, ainda assim, encontra caminhos para reconstruir o seu próprio self”. O psicólogo interpreta o arco da protagonista como um verdadeiro estudo de caso sobre o impacto da negligência emocional e da exploração de talentos em um ambiente abusivo.
De acordo com o especialista, o verdadeiro conflito de Eleven nunca foi contra os monstros do Mundo Invertido, mas contra as feridas invisíveis deixadas por anos de isolamento e manipulação. Ele explica que “seu funcionamento psíquico reúne traços de Transtorno de Apego Reativo, aspectos do TDAH e até sinais de altas habilidades, compondo um retrato multifacetado de vulnerabilidade e resiliência”.
Acioli destaca ainda que Stranger Things usa o extraordinário para falar do universal. “Todos nós, em alguma medida, somos convidados a revisitar nossos próprios ‘mundos invertidos’ e buscar, como Eleven, a integração entre força, vulnerabilidade e compaixão”, observa.
O psicólogo aponta que a personagem encarna o resultado de privações emocionais básicas, como a ausência de vínculos afetivos, autonomia e espontaneidade, o que a leva a desenvolver esquemas desadaptativos duradouros , crenças rígidas sobre si mesma e sobre o mundo. “O laboratório de Hawkins é a metáfora perfeita do abuso internalizado: um ambiente onde sentir é punido. Já o Mundo Invertido é a materialização do inconsciente ferido, onde os traumas ganham forma e voz”, analisa.
Na visão de Acioli, o confronto de Eleven com Vecna é mais do que uma batalha sobrenatural: é um símbolo do enfrentamento interno de seus medos, culpas e memórias traumáticas. “Quando ela desafia Vecna, está, na verdade, desafiando a voz punitiva que carrega dentro de si - a mesma que a faz acreditar que precisa se submeter para merecer afeto.” A evolução da personagem, segundo o pesquisador, representa uma metáfora terapêutica poderosa. “Eleven começa como uma criança fragmentada e termina como uma jovem capaz de se proteger, se perdoar e escolher por si. A verdadeira vitória é emocional: ela aprende a dar à sua criança interior aquilo que lhe foi negado como afeto, liberdade e pertencimento.” Para o psicólogo, esse é justamente o motivo pelo qual a personagem desperta tanta identificação. “A série fala sobre monstros, mas, no fundo, fala sobre cura. Todos temos, em maior ou menor grau, nossos próprios mundos invertidos e a jornada de Eleven nos convida a atravessá-los.”
Sobre Manoel Acioli
Manoel Acioli é Psicólogo, Mestre e Doutor em Psicologia pela Universidade Federal de Pernambuco e Universidade do Porto. Possui Pós-Doutorado em projeto de cooperação internacional com a Aix Marseille Université, a Université Lumière Lyon 2 e a Universidade Federal de Pernambuco. É membro do Laboratório de Interação Social Humana (LABINT/UFPE) e do Laboratório de Psicologia Positiva (LAPP/UFBA). Foi professor da Universidade Federal da Bahia e da Universidade de Ciências e Tecnologia. Atualmente desenvolve pesquisas de modelos terapêuticos gamificados no campo das Terapias Cognitivas e Comportamentais e é diretor da RPG Terapia - Instituto de Psicologia Gamificada.